A propósito do referendo e da IVG
Uma perspectiva pessoal: a minha
Nunca é demasiado cedo, mas agora acho mais propício dar a minha opinião sobre o referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, do qual se espera a descriminalização do aborto – vulgo IVG, Interrupção Voluntária da Gravidez.
Há bastantes anos atrás (antes mesmo do infeliz referendo de 1998) – já eu aceitava sem nenhuns pruridos a minha homossexualidade – o tema ‘Filhos’ não significava nada para mim. Uns anos mais tarde, depois de experimentar as felicidades de uma vida semi-partilhada com alguém que amava, ‘filhos’ passou a ser aquela meta só ela capaz de trazer a plenitude a uma harmonia que só custaria amor para construir. Até admito que esta possa ser uma perspectiva intoxicada de ‘romantismo’, especialmente se comparada com outras lógicas mais 'straight cut': ‘filhos = realização pessoal’, ou ‘filhos = frutos do casamento’.
Ora afinal acresce que – e num momento de arranque para uma vida definitivamente independente – além daquela perspectiva romântica, eu considero de extrema importância que existam condições práticas na vida de uma potencial mãe ou de um potencial pai que permitam receber e cuidar uma criança sem que recaiam sobre esta aquele tipo de carências ou dificuldades cujos recursos de um país já permitem suprir. Mais pragmática é difícil: sem condições não deve haver filhos, mesmo que a felicidade a dois/duas seja suprema.
Entendam com isto que considero a parentalidade como um assunto fulcral no projecto de vida de cada pessoa (quer esta se considere ou não potencial mãe ou pai) e que por isso exige alguma reflexão por parte de todos os cidadãos, sobretudo porque também tem de ser fulcral no projecto dum Estado que regulamenta o complexo sistema que regula todos os ‘mecanismos’ sociais que intervêm na vida das crianças/pais – assistência social, educação, etc. Daqui que... com ou sem referendo uma evolução já tardava!
Na minha perspectiva, é neste ponto que converge um outro subtema da parentalidade: a adopção. Neste momento eu gostaria de começar a ‘projectar’ um futuro que incluísse um filho ou filha, pensar no que requer objectivamente ter um, mas é-me muito claro que nem a curto nem a médio prazo reunirei as condições que considero serem as mínimas essenciais. O longo prazo já é um intervalo que se fecha a filhos: se falarmos num período de 10-12 anos, por exemplo, gerar filhos irá tornar-se num risco considerável.
Assim sendo, e se só a longo prazo eu verificar que reúno finalmente todas as condições para poder dar a uma criança uma vida boa, o mais natural será considerar a alternativa ‘adopção’ por já não me ser aconselhada a procriação.
Porquê elaborar todo este discurso sobre o assunto do referendo à despenalização do aborto?
Porque não é um assunto de preto ou branco, de sim ou não. E pelas razões que já exprimi atrás.
1. A parentalidade é uma responsabilidade como poucas se lhe comparam. Certo.
2. Isto conduz a que, só sobre um conjunto lato de condições mínimas essenciais, delineadas por cada mãe/pai mas vigiadas pela Carta Universal dos Direitos das Crianças, deve uma criança ser gerada, recebida e cuidada. Ninguém discute.
3. Então, se tais condições não existem na vida de uma mãe ou família é preferível não submeter uma vida nova e vulnerável às dificuldades daquelas pessoas, que hipotecar um, dois ou mais futuros, quando é inclusivamente possível que ainda venham a proporcionar-se, para todas as partes potencialmente envolvidas, condições mais favoráveis à parentalidade.
4. No caso de, no futuro, deixar de haver condições fisiológicas para procriar mas permanecer a vontade de ser mãe e/ou pai, então a adopção deve ser facilitada, não descurando obviamente que se verifiquem reunidas aquelas rigorosas condições que permitam uma boa vida à criança desejada.
Sou a favor da despenalização do aborto, pelas mães, para que alcancem uma qualidade de vida que providencie efectivamente mais que expectativas repetidamente goradas de menores dificuldades. Por isso é preciso apoiar as mulheres todas, as que abortam, as que desejam adoptar em conjunto com as suas parceiras de vida, as que vivem solteiras mas dão o litro em cada expediente. Pela felicidade de cada criança que chega para saber quais os valores que ainda fazem valer a pena visitar este mundo marado, mas lindo.
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