Burro velho mas bem-falante
Eu fiquei gaga!
Depois da minha mãe ter-me enchido de orgulho lésbico, finalmente também o meu pai. Na cavaqueira usual pós-janta, e a propósito de um comentário que fiz sobre uma notícia do dia, o meu pai fez uma declaração inesperada que me deixou zonza, a mediar sensações de grande surpresa e grande alegria: de pai de lésbica resignado e espectador, passara a fiel defensor da causa/luta homossexual! Mas ferrenho mesmo, pelo que percebi!
Com o meu pai, o trabalho de educação pela não discriminação foi sempre mais árduo. Ele teimava em levantar resistências que eu temia apelidar frontalmente de "preconceito", para evitar que ele se ferísse com a minha desilusão e se retraísse mais. Assim, sempre achou que fazia o máximo para entender e lidar com a homossexualidade - e se não a entendia era porque não fazia sentido - o que me levou a recuar e aceitar a sua limitação como a etapa mais satisfatória possível na educação homo-tolerante (será melhor dizer pró-homossexual, ou "friendly"!?) que podia alcançar com ele. Eis se não quando... ele se manifesta totalmente solidário com as angústias com que os homossexuais se confrontam no plano do direito, da representação em sociedade e das emoções privadas. Admitiu até ter estado sob o preconceito corrente que o impediu de ver a problemática objectivamente.
Foi soberbo! Um salto derradeiro que deu sozinho, a ruminar ideias à mesa de um café, onde um jornal noticiava que a JS decidira novamente relegar a reivindicação do casamento homossexual para outra agenda política. Agora só falta a problemática trans... Vou fazer-lhe a introdução à matéria o quanto antes!
E disto eu também retirei lições. Percebi que educar eficazmente passa por saber encontrar os termos e temas com que melhor alcançar e colocar em funcionamento o motor de entendimento dos sujeitos. No caso do meu pai, foi a política... e já antes eu havia tentado esse caminho. Ao que parece, só agora ele alcançou outro dos requisitos essenciais para evoluir: vontade.
7 comments:
Lembrei-me de mim própria e do tempo em que a minha mãe apelidava a Ana Zanatti e a Lara Li de "badalhocas". Desde aí aprendeu línguas e hoje até dá cartas. Assim é que é: há que trabalhar muito no interior da familia, depois, cá fora tudo fica mais fácil.
Isso mesmo Lilith! :) É preciso nunca deixar de educar. Parabéns para ti, para a tua mãe, e para nós duas e outros LGBTs que nos vamos vendo mais integrados nas nossas famílias e na sociedade!
oi grace. adorei ler este teu testemunho (e o da tua mae tb!). Seria bom q postassemos todos/as sobre exemplos positivos, qd os tempos, pq isso, acredito, da mais coragem a quem nos le. Parabens e boa continuacao desse processo educativo. ;)
Olá Cris, benvinda de novo ao Eyes On. Também sinto que faz muita falta divulgar exemplos destes aos LGBTs mais novos - ou não tanto - que ainda se vêm confrontados com angústias pessoais que derivam de preconceitos sociais, que moram ás vezes tão próximo quanto na familia. Há alguns anos atrás procurava-os e quase não os havia, e ainda agora gostaria de encontrar mais pela net portuguesa/lusofona... continuam a fazer falta.
Uau, meus parabéns. Mas isso levanta questões. Onde terá ele ido buscar a vontade? às vezes acho quwe não tem a ver com vontade objectiva mas eles somarem dois e dois em alguma conta cuja soma ainda não tinha sido feita. Serem expostos a algo que magoe os seus valores, as suas vulnerabilidades, e vejam que é dessa mesma ordem a homofobia. Tem que haver algo a acender a vontade, no fundo. No caso da JS, os meninos devem sentir que estão cada vez mais perto do poder, e que detalhes como esses não os podem privar desse «direito», ao poder, das migalhas que os seus parceiros mais velhos lhes hão-de deiaxr cair. No dia em que os partidos ficarem juridicamente obrigados a executar o que está nos seus programas a coisa mudaria. Não para muito melhor mas mudaria...
Olá Underscore, obrigada pelo teu comentário atento.
Pois, acredito que tenha havido algo a abrir-lhe os olhos, algo mais que ele a ver-me blogar de vez em quando. Penso, contudo, que talvez não tenha sido um beliscão no seu próprio orgulho - uma vida inteira de convívio com o meu pai falam agora. Dificilmente ele se acharia perante alguma dificuldade que se lhe afigurásse como se afiguram as imensas barreiras que detêm os cidadãos homossexuais de serem quem são.
Por isso calculo que a situação foi algo deste tipo: ao cabeçalho 'chamativo' no jornal (chamativo porque: 1. a própria filha é homossexual; 2. o assunto é polémico, "escandaloso"; 3. política à mistura... (ele processa em 'wysiwyg'!!)) ele decidiu dar uma espreitada pequenina...; reparou que até se fala no assunto com pés e cabeça, com conhecimento de causa, com objectividade política (que é coisa que emociona um cromo do palavreado jurídico!!); o tema tem andado na 'moda', e ele, como sujeito moderno que é, não pode ficar desactualizado, porque até haverá que discorrer afinal... Portanto, deixa lá vêr melhor.
Ou seja, deve ter sido uma confluência feliz de motivos - de entre os quais contou de sobremaneira uma popularização do tema e florescer do debate - que o levaram a ponderar o assunto com a razão em vez de virar a página do jornal, como provavelmente faria habitualmente.
E quanto à JS... pois!!
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